quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

O dever fundamental de pagar tributos (ADI 1055/DF, Informativo nº 851/STF).




O Min. Gilmar Mendes, no julgamento da ADI nº 1055/DF, que tratava – dentre outros assuntos – da prisão de depositário infiel de valor pertencente à Fazenda Pública, trouxe à discussão jurisprudencial o “dever fundamental de pagar tributos”.

Trata-se o presente de ponto nevrálgico para quem desejar ingressar na Procuradoria da Fazenda Nacional. Por quê? Porque a PFN vem há muitos anos militando pela consagração desta tese em sede jurisprudencial e doutrinária, como bem aponta Arthur Moura em seu livro sobre Execução Fiscal.

Inicialmente, questiona-se novamente: em torno de quê giram as atribuições da Procuradoria da Fazenda Nacional?

A PFN é um órgão de mais de quatro séculos, e existe no Brasil mesmo antes da tripartição dos poderes ser instalada. Inicialmente, como Procuradoria dos Feitos da Coroa, da Fazenda e do Fisco, ostentava também a função de persecução criminal e tudo que dizia respeito à representação da nação.

Com o passar do tempo e as sucessivas alterações de suas competências, passou a ficar cada vez mais especializada na matéria financeira e fiscal, ao ponto de, durante certo período, atuar tão somente no controle jurídico da atividade financeira.

Com a CF/88, e mediante influência dos membros da Procuradoria da Fazenda Nacional, criou-se a Advocacia-Geral da União, na qual passou a restar incluída a PGFN. Nos termos da legislação atual, como já mencionado, cuida a PFN da representação e controle jurídico da federação e da República em toda matéria fiscal: dívida pública (externa e interna) e Dívida Ativa da União – DAU.

Como se sabe, as receitas tributárias são a maior fonte de recursos do Estado, e portanto o setor no qual se encontra a maior parte dos devedores da nossa nação. Tendo em vista que o Brasil, diferentemente dos demais países minimamente desenvolvido, ainda possui um sistema judicial de cobrança do crédito público, compete à PFN representar o país também nessa cobrança judicial.. Isso, aliado à defesa judicial e administrativa da União Federal, leva os Procuradores da Fazenda Nacional a possuirem um know how e especialização incomparável na matéria.

Assim, uma das noções mais importantes que a Procuradoria da Fazenda Nacional desde sempre insiste em repassar é a do dever fundamental de pagar tributos. A tese sempre foi discutida, mas trazida de forma sistematizada pelo tributarista português Casalta Nabais, em sua obra “O Dever Fundamental de Pagar Impostos”. Suas teses, ao lado da conclamada “dimensão financeira dos direitos fundamentais”, tornaram-se mote da atuação dos Procuradores da Fazenda Nacional, como mais um pilar da busca pela concretização da Justiça Social.

O poder de tributar, desde sempre, foi utilizado de forma abusiva, como instrumento de opressão e voltada à constituição de patrimônio dos soberanos, notadamente durante o período absolutista. Com a derrocada do modelo absolutista, entretanto, o poder de tributar voltou-se aos fins da democracia e ao financiamento dos direitos fundamentais positivos e também dos negativos.

Desse cenário resultou o surgimento de deveres também fundamentais, necessários para efetivação daqueles direitos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, previu o dever fundamental de pagar tributos ao fim de seu famoso rol de direitos liberais. Assim, no intuito de ter acesso a uma sociedade civilizada e à proteção de seus direitos, o cidadão deve contribuir para a manutenção do Estado e seus serviços essenciais, situação na qual este figura na condição de contribuinte.

Também neste cenário, surge o dever fundamental de colaborar com a tributação, na medida em que a lei atribui a determinados indivíduos a responsabilidade de recolhimento do valor devido por outrem, com vistas a simplificar a tributação e garantir a aplicação da norma tributária. É o caso do responsável tributário (sobre o tema, v. Leandro Paulsen).

Na ADI nº 1055/DF, o relator, Min. Gilmar Mendes, ao tratar da inconstitucionalidade de norma que previa a prisão do depositário infiel relativo a dívida tributária, afirmou que “O Estado brasileiro baseia-se em receitas tributárias. Um texto constitucional como o nosso, pródigo na concessão de direitos sociais e na promessa de prestações estatais aos cidadãos, deve oferecer instrumentos suficientes para que possa fazer frente às inevitáveis despesas que a efetivação dos direitos sociais requer. O tributo é esse instrumento. Considera-se, portanto, a existência de um dever fundamental de pagar impostos. No caso da Constituição, esse dever está expresso no § 1º do art. 145”.

Entretanto, “os meios escolhidos pelo Poder Público devem estar jungidos à necessidade da medida, à adequação e à proporcionalidade, em sentido estrito, de restringir os meios de adimplemento em caso de cobrança judicial, as quais não estão presentes na apreciação da legislação ora questionada”.

Talvez o mais importante deste julgado tenha sido a menção ao fato de que o dever fundamental de pagar tributos está expresso no art. 145, §1º, da Constituição Federal, que dispõe sobre o princípio da capacidade contributiva.

Nesse sentido, é plausível se afirmar que, em nosso ordenamento, o dever fundamental de pagar tributos decorre do próprio princípio da capacidade contributiva.

Ressalte-se que em hipótese alguma o dever fundamental de pagar tributos deve justificar existência de um Estado progressivamente mais interventor, tampouco deve servir como desculpa para a elevadíssima e desorganizada carga tributária que temos no Brasil. Do contrário: o dever fundamental de pagar tributos, como consequência do princípio da capacidade contributiva, impõe ao Estado o dever de racionalizar seu sistema tributário. Isto é, constitui dever do Estado intervir o mínimo possível pela via arrecadatória, evitando ao máximo causar distorções contrárias à noção de Justiça Social, bem como efetivamente viabilizar que o dever social de pagar tributos seja cumprido. Sobre o tema do "alto custo da legalidade", há importantes reflexões do economista Milton Friedman.

Também neste sentido, é inegável que cumpre ao Procurador da Fazenda Nacional o dever de concretizar a Justiça Social, inclusive por meio do controle jurídico dos atos do Governo (função consultiva). Por demais ultrapassada se mostra o entendimento de que cabe ao Procurador defender o Estado a todo custo; o contribuinte é parte do Estado. Por vezes é necessário ao Procurador reconhecer a ilegalidade de atos do Governo, inclusive que venham a trazer gravames ao país e aos contribuintes.

Assim é que se dever ter em mente que a Justiça Social -  por meio da concretização da Justiça Fiscal - é o pilar maior da atuação do Procurador da Fazenda Nacional.

Um abraço a todos!

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