sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Depoimento: Jurandi Ferreira

Pouco tempo após ingressar na graduação decidi que exerceria um cargo público. Ouvia falar em concursos públicos, inclusive porque meu pai havia sido aprovado para Analista Judiciário do TRT 13 alguns anos antes, mas nunca havia me organizado, efetivamente, para estudar de forma sistematizada.

Sempre gostei de Direito e era um bom aluno, mas costumava me dedicar mais à seara teórica, até que meu pai orientou a mim e meu irmão que começássemos a fazer provas de concurso. Ele disse que apenas aprenderíamos fazendo. Lucas costumava organizar seus estudos, eu não. Eu tentava terminar uma matéria inteira, por vários dias seguidos, e não entendia como ele estudava uma matéria por hora.

O resultado dessa divergência ficou exposto no primeiro certame que fizemos juntos (1º e 3º períodos do curso, 2012), para Técnico Administrativo do TRF5: ele foi aprovado e eu não.

Daí pra frente concluí que precisava de métodos, e de um estudo organizado. E com apenas um pouco mais de disciplina percebi a diferença: fomos ambos aprovados para Técnico Administrativo do MPU, embora houvesse cerca de 5 vagas disponíveis apenas. A partir desse concurso, decidimos nos dedicar integralmente para cargos jurídicos. Nesse tempo (2013), também fui aprovado para estagiário na Procuradoria-Seccional da Fazenda Nacional em Campina Grande/PB, minha cidade, o que teve uma influência sem medida nessa trajetória. Um ano depois, também meu irmão ingressou no estágio.

Durante o estágio, pude conhecer grandes Procuradores, dentre os quais sempre gosto de destacar Caio Graco e Arthur Moura. Ao tempo em que, como grandes Procuradores, nos fizeram nos apaixonar pela carreira, também foram exímios tutores que nos apontaram diariamente caminhos e detalhes nos estudos. Conscientes da nossa vontade em nos tornar Procuradores em breve, orientaram que excluíssemos do dia a dia e dos estudos fatores que não nos fossem trazer os resultados almejados.

A primeira dessas lições foi o quadro de horários. O quadro de horários me permitiu observar com clareza o meu dia a dia, e perceber os lapsos em que estava desperdiçando tempo de estudo ou descanso. Por preciosismo, guardei os horários que pendurava na parede do quarto, desde o primeiro, para me lembrar da trajetória.

Uma segunda lição foram os resumos. Como iniciamos os estudos ainda cedo, tivemos condições de resumir algumas matérias, por orientação de Arthur Moura. Tenho um caderno para cada matéria, e das matérias principais tenho um ou até dois livros resumidos. Isso me possibilitou compilar em um só lugar toda a informação que eu tinha sobre os assuntos, e eu acabava, muitas vezes, tendo vários livros compilados em um só resumo. Ainda, esse método ajudou bastante com os informativos, pois as novidades e súmulas estavam todas anotadas por lá também.

Em 2013 fiz meu primeiro horário de estudos, pelo qual dedicava 4 horas diárias a quatro disciplinas diferentes: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual Civil e Direito Tributário. Eu tinha por objetivo concluir os manuais dessas disciplinas antes de adentrar nas demais. Ainda, durante uma hora a mais no fim de semana, e durante as aulas da faculdade e brechas do estágio, eu mantinha uma leitura atualizada de informativos. Quando finalizava os informativos, acompanhava o blog da EBEJI, que sempre trazia dicas excelentes de recém-aprovados. Foi assim que consegui conciliar os estudos, a faculdade e o estágio.

Mantive esse horário por algum tempo, mas à medida que a situação mudava eu alterava também o quadro de horários. Em cerca de um ano, estava prestes a concluir os manuais das quatro primeiras disciplinas, e decidi prestar o concurso para a DPE/PB (2014), ainda no 7º período. Ambos ficamos acima da nota de corte do edital na objetiva, mas não ficamos entre as vagas. Do contrário de frustração, o ocorrido nos deixou extremamente motivados. Seguimos os estudos até que foi publicado o edital da PGE/RN (8º período). Nesse certame desconfiei que estaria entre as vagas, com 70 questões na primeira fase. Entretanto, ainda não foi suficiente.

É importante dizer que, ao longo do estágio, eu e meu irmão nos determinamos a ser Procuradores da Fazenda Nacional. O foco contribuiu muito durante essa trajetória. Nós estudávamos todos os assuntos, mas não deixávamos passar batido qualquer assunto correlato com o cargo. Se não nesse, sabíamos que entraríamos no próximo. Um colega me perguntou como eu estava antes da primeira fase, e eu disse que o mundo iria acabar ali (hahaha). Claro que não é bem assim, mas estávamos há um bom tempo empenhados nesse certame. Nossos chefes, inclusive, chamavam nossa atenção para o fato de que esse certame estava encerrando uma era da Advocacia-Geral da União, tendo em vista o esgotamento - ou quase esgotamento - das vagas remanescentes, as diversas prerrogativas recentemente agregadas a seus membros e a grande transformação pela qual a instituição está passando.

Prestei concurso ainda para a PGE/PR (8º período) e PGM/Curitiba (9º período), ainda com uma variação de cerca de 5 questões, que me afastava das vagas na primeira fase. Eu sempre tive consciência de que o grande óbice seria a primeira fase. Isso porque desde sempre tivemos ambos um estudo muito pesado de doutrina e jurisprudência, mas nunca havíamos nos debruçado sobre a lei, o que é indispensável em provas objetivas.

Após a PGM/Curitiba, esquematizei o edital inteiro da PGFN e imprimi todas as leis relativas aos assuntos, o que deu três tomos gigantes encadernados. Deixei um espaço de 5 cm na borda das páginas, para anotações. Nesse pouco tempo, os meus cadernos de lei seca acabaram sendo um local em que estava compilada boa parte do meu conhecimento para provas, de forma que eu estava sempre revisando a lei em conjunto com a jurisprudência e conceitos doutrinários. Repassei para eles quase todas as informações que tinha nos resumos (aquelas menos sedimentadas em minha memórias). Esse método foi fatal para a PGFN, que teve início ainda no meu 9º período.

A essa altura, eu já havia aumentado consideravelmente minha carga de estudos, tendo em vista que o 9º e 10º períodos da faculdade costumam ser substancialmente mais leves. Nos meses que antecederam a primeira fase, subi meu horário pra 14-16 horas diárias, quase como um “horário camicaze”. Dormia 6h por dia, faltei aulas e tirei férias acumuladas do estágio. Eu sabia que tinha condições de ser aprovado.

Mas aqui entra a disciplina: o quadro deve ser cumprido. À risca.

Fomos aprovados juntos na prova objetiva. Depois da primeira fase demos uma descansada e passamos sem tanto sufoco nas demais fases, sempre com horário de estudos. Isso devido à carga de conhecimento teórico que já trazíamos.

As fases objetiva e subjetiva são divididas por grupo. Assim, o candidato deve alcançar a nota mínima de 50% em cada grupo - não basta ficar dentro das vagas na nota geral. Tivemos um empecilho na primeira fase, em que ficamos bem colocados em relação à nota global mas ficamos ambos dependendo da anulação de uma questão no terceiro grupo (formado por Direito Previdenciário, Penal, Processual Penal e Trabalhista). Após interposição de recursos conseguimos as anulações necessárias.

Ressalte-se, contudo, que as fases subjetiva e oral foram muito mais pesadas do que de costume. Com 450 vagas para a fase de títulos, apenas cerca de 300 atingiram a nota mínima. A fase oral, por sua vez, explorou Direito Financeiro e Econômico de forma inédita, a maioria dos candidatos não estava pronta para a abordagem que deram. Serão experiências que devem ser consideradas pelos que agora se põem a estudar para o cargo.

O concurso foi bem mais longo que o normal, durou cerca de um ano e meio. Quando passei na prova objetiva tinha 22 anos; na última fase tinha 23 e apenas assumirei o cargo com 24.

O estudo deve se dar pela equalização de quatro elementos: doutrina, jurisprudência, lei seca e simulados. A doutrina deve ser estudada com mais ênfase a longo prazo; a jurisprudência deve ser  sempre parte do cotidiano; a lei seca deve ser lida a longo prazo mas sua maior efetividade é a curto prazo (perto da prova); e os simulados devem ser no mínimo semanais a longo prazo, e com maior frequência à medida em que a prova se aproxima. Trata-se de um gerenciamento das memórias de longo e curto prazo.

É natural que um dia ou outro sintamos dificuldades de concentração etc.. Mas o horizonte a ser buscado é o cumprimento rígido dos horários. Não há como se alcançar objetivos sem disciplina. Até há, mas com risco altíssimo e improbabilidade imensa. Fizemos o caminho duro e fugimos de atalhos: cadeira, mesa, livro e dedicação.

É importante ressaltar que eu nunca quis ser um grande concurseiro; eu sempre quis ser um bom Procurador da Fazenda Nacional. Isso é importante, tendo em vista que temos vários concurseiros despreocupados com a função que irão eventualmente exercer. Não é raro, mas ainda tão comum que chega até a ser um clichê social, ver gente ingressando no serviço público de olhos para a remuneração e estabilidade, mas exercendo com um descaso imenso suas atribuições. Estamos tentando construir um país, e construir uma Constituição. A atitude de um agente público que desempenha suas funções com descaso viola diretamente os direitos da coletividade e constitui uma das muitas razões pelas quais nosso Estado vem funcionando aos trancos e barrancos.

Por fim, vou concluir com uma última lição, que tive por Daniel Ferreira de Lira, Promotor de Justiça do MPE/CE, professor de excelência, e um dos meus maiores mestres nesse processo. Em despedida para assumir seu cargo, ele recitou para mim uns versos de John Lennon, da música "God": "I don't believe in magic/I don't believe in I-ching (...) I don't believe in Kennedy/I don't believe in Buddha/I don't believe in Mantra/I don't believe in Gita/I don't believe in Yoga/I don't believe in Kings/I don't believe in Elvis/I don't believe in Zimmerman/I don't believe in Beatles/I just believe in me, Yoko and me, and that's reality".

Com isso, explicou que não há gurus. Ninguém, absolutamente, pode fazer o seu caminho por você. Leia depoimentos, pondere sugestões, mas o seu caminho é você quem faz. Ou, como disse o grande B. B. King: "Play like anyone you admire, but try to be yourself while you're doing so". Estudo é algo individual e intransferível.

Um comentário:

  1. Ótimo depoimento! Parabéns pela trajetória de sucesso, é inspirador ver a vitoria daqueles que correm atras e fazem por merecer!

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